A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço!

Martinho Lutero

17/02/2009

A IGREJA




Por Brissos Lino


“No início, a igreja era um grupo de homens centrados no Cristo vivo. Então, a igreja chegou à Grécia e tornou-se uma filosofia. Depois, chegou a Roma e tornou-se uma instituição. Em seguida, à Europa e tornou-se uma cultura. E, finalmente, chegou à América e tornou-se um negócio.”
(Richard Halverson)

O percurso da Igreja, ao longo destes dois milénios de história, nunca foi linear. Ela procurou sempre, como sujeito da História, sobreviver, nuns casos, resistir noutros, dominar, nalgumas circunstâncias, ou ser minimamente relevante noutras.

Lutou contra inúmeras ameaças externas, provenientes da política, da filosofia e da religião, e teve que lidar com frequentes dissensões internas. Por fim dividiu-se uma primeira vez, durante o chamado Cisma do Oriente, separando o mundo latino do grego, dando assim origem às igrejas ortodoxas, e meio milénio mais tarde, através da Reforma religiosa na Europa, com o advento do protestantismo, pela mão de Lutero.

A partir do momento em que a Igreja deixou de se comportar como motor da História no mundo ocidental, limitou-se a reagir aos acontecimentos ou a imitar o sistema do mundo sem Deus.

Foi assim que surgiram os credos e os concílios. A Igreja reagiu desta forma de modo a clarificar e unificar os fundamentos da fé, perante a sua própria expansão, e combater as diversas heresias que a atacavam perigosamente.

Foi assim que se estruturou hierarquicamente, para imitar o funcionamento modelar do império romano, julgando que aquilo que era bom para o império seria igualmente bom para si própria.

Foi assim, ainda, que não resistiu à tentação de substituir a figura do imperador, em Roma, quando Constantino mudou a capital para a antiga Bizâncio. Perante a vacatura do poder, na cidade eterna, a Igreja tratou de o assumir, demonstrando assim que a atracção do poder exerce um fascínio tremendo sobre si.

Estas três vertentes: a atitude reactiva aos ataques e perigos, o mimetismo à imagem dos sistemas exteriores, e a tentação do poder, continuam, porventura, a constituir a sua maior fraqueza espiritual.

Mas a verdade é que a Igreja também se foi moldando conforme os tempos e o meio, afastando-se do propósito original.

A Igreja como filosofia
Jesus Cristo nunca se assumiu como filósofo. O seu pensamento era invariavelmente centrado nas pessoas e não em especulações metafísicas. Centrado na vivência prática das pessoas, na sua relação com Deus e com os outros, e no seu futuro eterno.
As discussões talmúdicas, tão ao gosto dos religiosos judeus do seu tempo, passavam-lhe completamente ao lado. A Bíblia não dá conta de qualquer momento em que o Mestre se tenha disposto voluntariamente a entregar a tais argumentações. Quando tinha doze anos discutiu por uma vez com os doutores da lei, no templo. Todos os outros relatos do Evangelho sobre troca de impressões entre Jesus e os religiosos do Judaísmo, ocorreu na sequência do normal desenrolar do seu ministério público, e não por escolha sua.

A Igreja como instituição
Assim como o Nazareno afirmara “o meu reino não é deste mundo” (1), da mesma forma deveria ser entendido que o lugar da Igreja não é neste mundo. Até porque, e desde logo em termos etimológicos, igreja (gr. “ekklesia”) significa “os chamados para fora”.
Na famosa oração sacerdotal, Jesus deixou bem explícito que os seus seguidores “não são do mundo assim como eu não sou do mundo” (2), acrescentando, porém, “não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (3).
A institucionalização da Igreja desvirtuou, por isso, o seu sentido mais profundo. Nem Israel entendeu este paradoxo cristão (uma espiritualidade sem poder temporal), nem a própria Igreja o aceitou plenamente na prática.

A Igreja como cultura
A Igreja faz Cultura. Por si mesma constitui-se como factor cultural relevante em qualquer sociedade em que se encontre inserida. Mas fá-lo (ou deve fazê-lo) de forma espontânea e não no sentido de forçar ou impor ao conjunto das sociedades as suas ideias, valores e opções de vida. A Igreja apresenta-se assim, naturalmente, como uma alternativa cultural.
Na realidade, a milenar influência cristã nesta Europa pós-moderna e cada vez mais multicultural já de pouco vale. A sensação que se tem é que a Igreja já não sabe falar à cidade dos homens, nem sabe viver como carta viva de Cristo no meio deles. Perdeu o seu fulgor profético. Por isso, ainda que fale, dificilmente consegue comunicar a mensagem evangélica.

A Igreja como negócio
Os anos oitenta foram a era por excelência dos evangelistas de televisão, estrelas mediáticas do universo americano, os quais se constituíram como paradigma da religião enquanto iniciativa privada. Mais recentemente, a chegada a Portugal de movimentos neopentecostais, arautos da teologia da prosperidade, trouxe para a realidade nacional um fenómeno anteriormente visto como distante.
Mas o meio católico também não foge à fama negocista, dada a proverbial riqueza do Vaticano e o movimento financeiro dos santuários, por exemplo.

Quando voltará a Igreja de Jesus Cristo a ser um grupo de homens e mulheres centrados no Cristo vivo, e apenas isso? Na sua fraqueza estaria então a sua verdadeira força. Quando é que os cristãos o compreenderão?

(1) João 18:36.
(2) João 17:14.
(3) João 17:15.

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