A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço!

Martinho Lutero

02/03/2009

Síndrome de Peter Pan






por Carlos Guimarães Coelho


Há alguns anos isso seria uma aberração. O que era inconcebível até a década de 80, nos anos 90 passou a ser natural. As pessoas reviram seus valores e, para a surpresa dos adeptos da contracultura, fortaleceu-se o conceito de família. É comum, hoje, homens e mulheres na faixa dos 30 e 40 anos, solteiros e separados, viverem novamente sob o mesmo teto que seus pais. Muitos podem, equivocadamente, associarem esse novo padrão de comportamento à teoria do chamado Complexo de Édipo, ou à alardeada “Síndrome de Peter Pan”, mas, com um olhar aproximado às situações deste tipo, percebe-se que há muito mais naturalidade do que se imagina e, de modo algum, a liberdade dos trintões e quarentões é cerceada apenas pelo fato de habitarem a mesma casa de sua infância.

Diferentes razões levam pessoas de todos os níveis sociais a optarem por permanecer na moradia dos pais. Em vários casos apontados, prevalece uma dependência psíquica. Com ou sem culpa, o adulto solteirão não quer desvencilhar-se do porto seguro que a família representa. Em segunda instância, há o aspecto econômico. Quem chegou a essa faixa etária, presenciou um País de instabilidades econômicas, explícitas nas quatro décadas mais recentes. Com a maturidade, veio o desejo de conter gastos e usufruir mais da vida. Uma boa alternativa para isso é aconchego do lar materno. Assim, sobram mais recursos para os deleites pessoais. E, por fim, filhos que não querem deixar os pais no abandono da velhice. Querem ampará-los e dar-lhes a assistência necessária, mesmo com a existência de conflitos anteriores. Isso, em boa parte das situações acontece quando um dos cônjuges morre. O filho, então, passa a ser o esteio do par que assumiu a viuvez. Neste contexto, permanecer na casa nem sempre representa economia. Ao contrário, com a velhice aumentam-se os gastos, ainda que assistido por um bom plano de saúde.

Embora todas estas situações possam parecer conflituosas e, em decorrência, aflorar tardias crises existenciais, não é mais surpreendente perceber adultos no ápice da maturidade ainda agarrados aos mimos familiares. Em algumas culturas, sobretudo na América do Norte, os filhos são praticamente “expulsos” de casa, antes mesmo de completar a maioridade. Saem de seus lares assim que entram na faculdade e raros são os que retornam quando a concluem. No Brasil, já é bem diferente. Se, por um lado, os pais, por mais moderninhos que sejam, sempre vêem os filhos como crianças e os querem “debaixo de suas asas”, por outro, esta possessividade tem sido contornada com a convivência diária de um ser humano adulto, vivendo sob o mesmo teto e se relacionando em pé de igualdade, sem hierarquias ou relações de poder.

O ator Ivens Thilman, depois de viver em outras cidades, onde morava sozinho, após o divórcio de um breve casamento, coincidente também com a separação de seus pais, arranjou soluções criativas para uma convivência em harmonia com a sua mãe. Inicialmente, mesmo morando com ela, criou um espaço alternativo, uma espécie de estúdio, garçonière, para os momentos em que queria entrar em um processo criativo de trabalho ou mesmo apenas para ter um pouco mais de privacidade. Como estava saindo caro a manutenção de duas casas, optou por construir o mesmo espaço em cima de sua garagem, com entrada independente, mas, ao mesmo tempo, interligada à casa materna. Desse modo, preservou-se em sua individualidade sem trazer à mãe a sensação de abandono.

Para ele, não há transtorno nenhum em viver com a mãe. Ele declara que o diálogo é intenso e permanente. Quando surgem as discordâncias, ele se impõe como um ser humano adulto e, desse modo, espontaneamente, regras de convivência vão sendo estabelecidas. Maria Amélia Fernandes, também atriz, após morar em Belo Horizonte, inicialmente sozinha e depois com o ex-marido, retornou à casa dos pais, idosos, dos quais toma conta até hoje. Boa parte de seus cachês fica na manutenção das atividades de seu filho adolescente, de um sobrinho neto que vive na mesma casa e no arsenal de remédios estocados para os pais, quase centenários. Neste caso, o conflito de gerações é multiplicado por três e ela tem de pular para se manter como o ponto de equilíbrio, financeiro e psicológico, para os mais novos e os mais velhos. Claro que, de algum modo, há perdas e danos para os adultos que decidem fazer companhia aos pais idosos. Em algum momento, paga-se o preço por isso. Alguns sonhos acumulados ao longo da vida acabarão involuntariamente sendo descartados.

Tudo pode ser conflituoso e harmonioso


Por mais que o relacionamento seja tranqüilo, e que haja mecanismos para não se perder a privacidade, a casa dos pais nunca será a sua casa, nunca terá a sua identidade visual. Ainda que você seja o proprietário do imóvel. Pais geralmente nunca perdem a “autoridade” e acabam sendo sempre a opinião conclusiva na decoração, no cardápio da semana e em todas as variáveis que compõem a realidade doméstica. Além de ter uma preocupação excessiva, típica dos pais em qualquer faixa etária, com sua alimentação, com o consumo alcoólico e quaisquer outros hábitos dos quais sejam discordantes. Receber os amigos em casa? Como, convidando também os pais para estarem presentes à mesa? E fazer você pagar o maior mico quando o assunto da roda de amigos remete a algum episódio constrangedor de sua infância ou adolescência? Ou vendo a mãe preparando o seu prato e controlando a quantidade de vinho que você está consumindo?

Em se tratando de família, não há o certo e o errado. Tudo pode ser conflituoso. Tudo pode ser harmonioso. E, por mais que possa causar estranheza, pessoas maduras ainda dividirem o teto com o pai ou com a mãe, ou com ambos, isso hoje em dia já se tornou normal. Está livre de qualquer julgamento de valor que a “libertária” década de 60 apregoava. O ser humano na atualidade vive segundo os seus próprios preceitos. Não quer se prender a nenhum tipo de ideologia para dar diretrizes à sua vida pessoal. Pelo menos, a maioria, talvez por estar calejada de (des)governos tumultuando os seus planos e os seus orçamentos.

A ingerência dos pais sobre filhos adultos depende exclusivamente da postura que os filhos assumem frente à família, independente de morarem perto ou longe. Muitas vezes, os pais influenciam a vida de filhos que moram longe. Amadurecer e cortar o cordão umbilical independe de estar ou não sob o mesmo teto. O fato é que hoje as pessoas se viram como podem. E, ao contrário dos preceitos lançados na década de 60, família não é estorvo. Os conflitos existem, mas, acima de tudo, como brasileiros que somos, prevalece o afeto e o desejo de um amadurecimento coletivo.

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